Livro da Festa Anual de Campelos, de 2023, sem os patrocinadores, quem desejar em formato de papel solicite à organização da Festa.
O texto e esta
apresentação é de José Damas Antunes.
A Mariana Rodrigues fotografou no Museu do
Florentino.
A Vanessa Lourenço fez a revisão do texto.
As merendeiras com chouriço, ou com torresmos, na festa de Campelos
Porque tentamos nestes livros ir deixando alguns contributos para a nossa história coletiva, este ano decidimos abordar uma das referências da nossa festa anual: as merendeiras com chouriço e com torresmos. Ou como localmente muitos chamamos, a “Brendeira” com chouriço, e com torresmos.
Vamos abordar as atividades atuais, mas sobretudo as tradições que giravam à volta dos elementos que compõem estas merendeiras, produto gastronómico muito degustado na nossa festa anual.
A base da confecção da merendeira com chouriço, é a farinha de trigo, e o chouriço.
A base da merendeira com torresmos é a farinha de milho, e os torresmos.
A base da merendeira com torresmos, é a farinha de milho e os torresmos, menos vulgar com farinha de trigo.
Outro produto, que apesar de ser menos frequente atualmente, mas que chegou a ser um dos mais importantes das festas anuais, é o tradicional bolo de ferradura, cuja base de confecção é também a farinha de trigo.
O longo caminho a percorrer, da semente às merendeiras
Vamos fazer um breve percurso pelas atividades realizadas desde a sementeira do grão até a cozedura no forno. Será uma passagem pelos ciclos do trigo e do milho, até chegarmos ao produto final e entrar no forno. Também falaremos do fabrico do chouriço e dos torresmos, componentes importantes nas merendeiras da festa. Daremos mais enfoque nos modos tradicionais usados na nossa região, no que nos tempos atuais, para perpetuar as memórias.
A Lavoura antiga era sobretudo de subsistência.
Durante séculos na nossa freguesia a larga maioria das pessoas eram agricultores, que cultivavam os produtos base para a sua alimentação, e vendiam o excedente. Semeavam já a contar com essas vendas, esperando que a produção assim correspondesse.
Nas lides agrícolas participava toda a família, incluindo as crianças, foi por isso um processo de adaptação a ida à escola quando esta foi construída, em 1949, em Campelos, e alguns anos antes em Outeiro da Cabeça. A mão-de-obra das crianças fazia falta na agricultura caseira.
Nesta área geográfica a cultura de cereais é hoje pouco significativa, mas na época em que os transportes eram inexistentes, ou difíceis, cada família tinha de cultivar para si, e para os senhores das terras.
Os cereais na Décima de 1764
A área da Freguesia de Campelos, para efeitos de Décima (imposto a pagar às finanças) pertenceu à vintena de Vila Facaia, pelo menos até 17/6/1812, pois nesta data, em reunião da Câmara de Torres Vedras, na respetiva ata lemos: E na mesma Vereação Nomearão para Juiz de Ventena dos Campellos e Distrito vizinho a João Batista do Casal de São Gião, visto que a ventena de Villa Facaya pella sua extenção se fazia preciso devidirsse ficando para a ventena de Villa Facaya e suas vizinhanças o antigo Juiz Manuel Pedro, e para a dos Campellos e suas vizinhanças o ditto João Batista, para deste modo não ter determento o Real Serviço.
Consultando a Décima de 1764, na Vintena de Vila Facaia, encontramos os seguintes lavradores, habitantes na área pertencente à freguesia de Campelos, em que uma parte dos foros, ou rendas eram pagas com cereais:
João Lopes, Casal da Amieira (Cabeça Gorda), pagava à Misericórdia de Torres Vedras, 1 Moio de trigo;
João António, Casal da Amieira Pequena (Cabeça Gorda) pagava ao Marquês do Lavradio, 1 Moio de trigo, e 30 alqueires de cevada;
Casal do Campello:
Nº 1 - Manuel Esteves, lavrador, pagava ao Convento da Graça, de Torres Vedras, 20 alqueires de trigo e 20 de cevada, e por uns bois que trás de aluguer a José Henriques, pagava 2 alqueires de trigo;
Nº 2 - Domingos Francisco, lavrador, pagava a alguém de Torres Vedras, 10 alqueires de trigo, e por 2 bois que trás de aluguer a José Henriques, pagava 9 alqueires de trigo;
Nº 3 - Francisco Esteves, trabalhador, assiste na companhia de seu Pai, nº2, traz de renda umas terras e vinha a Amieira de alguém da Joaria por 20 alqueires de trigo e 10 de sevada. Tem uma terra própria que semeou de milho
Nº 4 - João Francisco Machado, trabalhador, tem 2 terras aos Casaes dos Rijos... que semeou de trigo produz 2 alqueires, a que semeou de sevada 30 alqueires.
Nº 5 -João Francisco, trabalhador, traz de renda huma terra ao Carregal (Carregado?), da Bogalheira, do Conde de Villar Mayor, que lhe arrendou ao rendeiro da dita Quinta Manuel Joaquim, por 1 moio de pão meado. Tem duas terras neste lugar que ficarão de campo huma que semeou de milho.
Nº 6 - André Francisco, trabalhador, tem 2 terras que semeou de milho e produz 4 alqueires.
Nº 7 - Manuel Rodrigues, Moleiro, tem 2 terras que semeou milho e produzem 2 alqueires, tem maes outra terra de que paga foro ao Capp. Antº (Quaresma?) de Peniche 8 alqueires de milho. Tem uma vinha ao Val da Quinta de que paga foro a Manuel Carneiro do Turcifal 9 alqueires de trigo. Tem hum moinho de vento que rendeu 10 alqueires de sevada.
Nº 8 - Luis Francisco, Lavrador, traz de renda de huma terra aonde chamão o Xarqueirão da Quinta da Bogalheira, que lhe arrendou o rendeiro da Quinta Manuel Joaquim. Traz de renda 2 terras neste lugar e huma de vinha de João Lopes da Amieira , por 10 alq. de trigo;
Casal dos Rijos:
Nº 9 - João Rodrigues, Lavrador, traz da Quinta da Bogalheira, do Conde de Villar Mayor, de que paga a renda ao seu rendeiro Manuel Joaquim 54 alqueires de pão meado. Traz de aluguer huns bois de José Henriques por 20 alqueires de trigo.
Nº 10 - João Francisco, trabalhador, tem 2 terras junto dos Casaes que semeou de milho, que produzem 12 alqueires. Tem maes hum bocado de terra aos Possos e produz 8 alqueires de milho.
Nº 11 - Silvestre Francisco, trabalhador, tem 2 bocados de terra aos Possos, junto aos Casaes, que semeou de milho 20 alqueires;
Nº 12 - Domingos Antunes, Lavrador, tem huma terra aos Possos, que semeou de trigo. Traz de aluguer huns bois de Francisco Jorge do Vimeiro por 9 alqueires de trigo.
Nº 13 - André Duarte, cavador, tem 2 terras junto aos Casaes que semeou de milho e produzem 4 alqueires.
Casal das Oliveiras:
Nº 14 - João Henriques, trabalhador, tem emprazado, que consta de matos, terras e hum bocado de bacello, paga de foro ao Capp. Antº de Peniche, 26 alqueires de trigo e 10 de milho;
Nº 15 - Bernardo Rodrigues, Lavrador, tem humas terras junto do Casal que semeou de milho que produzem vinte alqueires, pagou 300 contos réis por elas.
Casal das Geestas:
Nº 16 - José Henriques, trabalhador, pagava, num Casal de João Pestana, a vinha que consta de casa, terra, vinhas por 36 alqueires de pão meado. As casas valem $300 réis.
Quinta de S. Gião (situava-se na Quinta do Bom Sucesso):
Nº 17 - José Luís, lavrador, traz de renda a Quinta de S. Gião, de João Pestana, da Lourinhã, que consta de casas, terras, vinhas, por moio e meio de trigo e 1 moio e 6 alqueires de sevada. As casas aval em milhar, as terras que semeou de trigo produzem 800 alqueires, as que semeou de segunda produzem 2 moios e 50 alqueires.
Casal de Albergaria de Sima:
Nº 18 - Miguel Martins, lavrador, traz de renda metade do dito Casal de João Pestana, que consta de metade das casas, terras e vinhas, por 33 alqueires de trigo. A metade das casas avalem 600 réis.
Nº 19 - Domingos Martins, Lavrador, traz de renda metade do dito Casal de Joam Pestana, que consta da metade das casas, terras, vinhas, por 33 alqueires de trigo. A metade das casas avalem 600 réis.
Casal de Albergaria de Baixo:
Nº 20 - Manuel Dias, lavrador, traz de renda o dito Casal de João Pestana, da Lourinhã, que consta de casas, terras lavradias, vinhas, por 29 alqueires de trigo e 15 de sevada. As casas aval em 600 réis.
Nº 21 - Domingos Jorge, Lavrador, traz de renda huma terra e metade das casa do sobredito Casal e huma vinha que arrendou a Manuel Dias do dito Casal, por 10 alqueires de trigo, de que faz menção no número antecedente. As casas e a metade do casal aval em 600 réis. Traz de aluguer 2 bois de Manuel Joaquim de que paga 12 alqueires de trigo.
Casal do Rossio:
Nº 22 - Pascoal Francisco, Lavrador, traz de renda este Casal, do Conde de Villar Mayor, pertencente à Quinta da Bogalheira, de que é rendeiro Manuel Joaquim, a quem paga 1 moio de pão meado do dito Casal consta de terras de lavradio, de que faz menção o nº 17 da vintena da Ermegeira, donde a dita Quinta. As casas aval em $ 300´réis.
Casal da Amieira:
Nº 23 - José Rodrigues, trabalhador, traz de renda este Casal, do Conde de Villar Mayor, pertencente a Quinta da Bogalheira, de que é rendeiro Manuel Joaquim a quem paga 16 alqueires de pão meado, e maes 3 alqueires de milho, que consta de casa e terras lavradias, de que se faz menção no nº 17 da citada Quinta. As casas aval em 200 réis, as terras que semeou de milho produzirão 26 alqueires.
Pessoas de Fora
Nº 24 - José Vieira, do termo da Lourinhã , traz de renda huma eira.
Nº 25 - Manuel dos Santos, do termo da Lourinhã, tem huma terra ao Campello, que semeou de milho e produz 6 alqueires.
Nº 26 - José dos Reis, qtª das Lapas. Tem huma casa aval em 120 réis. Tem huma terra ao Campello que semeou de milho e produz 6 alqueires.
Nº 27 - Francisco Machado, do termo da Lourinhã, tem prazo que consta de vinha e terras, no Val da Quinta, de que paga de foro 5 alqueires de sevada.
Nº 28 - João Esteves, do termo da Lourinhã, tem huma terra ao Val da Quinta, que semeou de milho produz 3 alqueires.
Preparar a terra e semear
Tanto para o trigo, que dá origem à farinha usada na merendeira com chouriço, como para o milho, que dá origem à farinha usada no merendeira de milho com torresmos, embora em meses diferentes, para colher é preciso semear.
A primeira atividade é a preparação da terra. Até á década de sessenta do século XX, poucos eram os tratores ou máquinas agrícolas na nossa área geográfica, por isso a maioria dos trabalhos agrícolas eram manuais, ou com animais, os bois, os burros, os cavalos, e os machos.
Para a preparação da terra é preciso lavrar (mexer a terra com alguma profundidade), gradar, ou fresar (esmiuçar a terra), e só depois se segue a sementeira.
Antes dos adubos químicos as terras a semear eram enriquecidas com estrumes dos animais que havia em casa, cujas camas eram em regra feitas de matos roçados nos pinhais. O estrume ia nas carroças e descarregavam em pequenos montes pela terra a semear, sendo espalhado manualmente com forquilhas de ferro.
A terra era lavrada com arados, puxados por animais, maioritariamente bois. Inicialmente o arado era de madeira, só com um bico de ferro, depois passou a ser todo em ferro, até surgirem as charruas acopladas aos tratores. Esta lavoura é feita no verão.
Como descreveu Jorge Dias, sobre os arados portugueses, eram muitas as variantes dos mesmos.
Tendo presente que nos baseámos no Museu particular de Florentino Manuel Lopes, no qual há muitos exemplares e nem sempre se sabe a sua proveniência, selecionámos e fotografámos algumas das alfaias que julgamos terem sido as mais usuais na nossa região.
Florentino Manuel Lopes, nasceu em Campelos, em 1950, filho de Manuel José Oliveira, de Ramalhal, e de Libânia da Conceição, de Campelos, neto paterno de José Dâmaso de Oliveira, e de Alexandrina Augusta da Conceição, e materno de António Lopes, e de Josefa Maria.
Arado de madeira e charrua de ferro, museu do Florentino.
Homem a lavrar, e uma junta de bois, que eram os animais mais usados nas lavouras, nesta foto os bois estão a puxar carroça. Fotos museu do Florentino
Uma junta de bois muito raramente lavrava duas jeiras por dia, dependendo dos animais do boieiro e do abegão, bem como do tipo de solo, a maioria das vezes lavrava entre os 3.000 e os 4.000 m2.
Deve ter sido por haver muitos animais, que serviam de apoio a atividades agrícolas, que se estabeleceram em Campelos. um ferrador, o Joaquim Marques de Carvalho, natural de Encarnação, Mafra, e um albardeiro João Ferreira, de Freiria, Torres Vedras, na primeira metade do século XX, ambos aqui viveram e deixaram descendência.
É já no final do outono ou início do inverno que se prepara o terreno para a sementeira, com a gradagem, para esmiuçar o solo e matar as ervas. As grades eram de madeira, com bicos de ferro, puxadas por animais, numa fase seguinte seriam puxadas por tratores, e mais tarde já seriam acopladas as estes as freses e grades de disco.
Grade de bicos, museu do Florentino
A sementeira era efetuada pelo homem, que munido de uma sacola e fazia a distribuição manual da semente pela terra, mesmo na fase dos tratores esta técnica foi muito utilizada, mais tarde surgiram os semeadores acoplados aos tratores.
Hoje todo o trabalho de preparação do solo e sementeira é mecanizado, com recurso a tratores e diversas alfaias agrícolas, que ao longo dos anos se têm vindo a aperfeiçoar, de modo a dispensar a mão de obra nessas tarefas árduas, e a tornar todo o serviço mais rápido.
Trator a lavrar com charrua, com 3 aivecas ao mesmo tempo, e trator com frese, ao lado semeador de trigo, acoplado a trator.
A preparação do solo para a cultura do milho é idêntica ao trigo, e hoje é também semeado e cuidado com as alfaias totalmente mecânicas.
Cuidar e colher os cereais
Porque as sementes não eram puras, e porque para haver condições para o trigo nascer também as há para ervas daninhas e infestantes, estas precisam de ser eliminadas, para diminuir ao máximo a concorrência com as plantas que se semearam, e diminuir as impurezas.
Era um trabalho manual de arrancar as ervas à mão, com o sacho ou sachola, e que no caso do milho fazia-se ao mesmo tempo a amontoa, que consiste em chegar um pouco de terra ao pé de milho, em crescimento. A técnica para evitar a monda, ainda hoje usada nos trigos tradicionais, como as variedades barbela, e anza, é semear um pouco mais denso, o que dificulta o nascimento e desenvolvimento de infestantes.
Para a monda e outras tarefas agrícolas, iam a pé, ou em carroças, como na foto da esquerda. A foto da direita é da carroça que era do Ermelindo Paciano dos Santos, oferta ao museu, por seu filho Joaquim Ermelindo, foi uma das últimas carroças a circular em Campelos
Mais tarde começou-se a usar herbicidas seletivos, que matam a maioria das infestantes mantendo as plantas semeadas.
Assim que o cereal está seco é preciso ceifá-lo, ou seja cortar as plantas. Esta atividade antigamente era realizada com foices manuais, e para evitar cortes nas mãos usavam dedaleiras feitas de canas. Era um trabalho duro que no caso do trigo, se iniciava assim que o Sol nascia, e estava menos calor, para a planta estar menos áspera, e não perder trigo da espiga. A atividade era muitas vezes efetuada em grupos, no mês de junho.
Foice, dedaleira, e foição, museu do Florentino
Foi um alívio, e outro rendimento quando surgiram as primeiras ceifeiras, acopladas a motocultivadores, ou máquinas só para esse fim
A ceifeira, e ceifeira antiga, que em 2023 ainda funcionou, ceifa e ata o trigo em pequenos molhos.
O trigo era cortado e atado em feixes, ou molhos, e depois acarretado para a eira, primeiro em carroças de tração animal, e em épocas mais recentes em motocultivadores e tratores.
O milho como está em espiga e encamisado, não precisava dos cuidados de ser apanhado com menos calor, a não ser pela aspereza da temperatura, e em regra primeiro colhiam só a maçaroca que levavam para a eira, e só depois a palha.
As ceifeiras debulhadoras, em que toda a faina é feita no mesmo campo onde foi semeado, surgiram mais tarde, e tardiamente na nossa região, muito devido às pequenas parcelas de cultivo, e ao preço dessas máquinas.
Ceifeira-debulhadora, a ceifar trigo de pequeno porte, em 2023, com um modelo antigo, já com 52 anos.
Hoje em dia o milho também é colhido com ceifeira debulhadora, e até pode ser à noite.
Ceifeira debulhar à noite, foto de Hélio Casimiro, e durante o dia.
A debulha
Do trigo, aveia, e centeio
Modo manual e com animais
A debulha consiste em separar o grão das espigas.
Em tempos mais recuados as debulhas tanto do trigo, como do milho eram realizadas em eiras, locais arejados, só em terra, ou com materiais cerâmicos/cimento, estruturas que muitas casas tinham. Mas também podiam ser eiras temporárias feitas para cada ano, neste caso esta estrutura tinha de estar bem compactas, e esse feito conseguia-se regando o terreno e colocando em cima um rebanho de ovelhas, ou de cabras a andar à roda até se obter a compactação necessária.
Eira razoavelmente conservada, em 2023, na Cabeça Gorda, de Leonel Ferreira, e foto antiga de animais na eira a debulhar.
Inicialmente a debulha era feita por homens que malhavam em grupo, o trigo ou o milho.
O ato de malhar, consiste em bater com varas de pau, o mangual, utensílio que consistia num pau maior que tem na ponta outro pau mais pequeno, atado com cabedal, sisal, ou corrente. Mas também se podiam usar os animais a circular por cima dos cereais, e o trilho puxado por animais.
Mangual com fita de couro, pá de eira, e forquilha esmoinhadeira, de madeira, usados na eira, museu do Florentino.
Sobre o piso da eira eram espalhados os molhos de trigo, sobre o qual passava um trilho de madeira, puxado por animais. Fazia-se a debulha e uma primeira separação de palha, o cereal era varrido para o centro da eira e lançado ao ar com a ajuda de pás de forma a que o ar limpasse também algumas impurezas. Os utensílios usados eram todos de madeira.
Trilhos de madeira, na horizontal um de 2 eixos, e na vertical um de 3 eixos, museu Florentino.
Após a debulha era preciso tirar as impurezas, para isso usavam-se a forquilha, a pá e por fim o crivo, sempre em local arejado para aproveitar a ajuda do vento na limpeza das partículas mais leves, sendo necessário a ajuda de escolha manual para as mais pesadas, como por exemplo pequenas pedras, ou torrões de terra.
Fotos de ancinho, vassoura de giestas, crivo de ferro, e crivo de vime. Museu de Florentino.
Com a evolução chegaram algumas máquinas manuais a ajudar nestas tarefas de debulha e limpeza dos cereais
Tarara manual, e pormenor dos crivos de limpeza do cereal. Museu de Florentino
Com o cereal limpo há que medir e transportar para venda ou para guardar em casa, se possível até à próxima colheita, para voltar a semear algum e para consumo da família.
Carro de mão, ceira, e alqueire com rasador em cima. Museu de Florentino.
Os cereais, trigo, milho, aveia, centeio, eram guardados em tulhas de madeira, por nós mais conhecidas por arcas, ou caixões, para se consumirem durante o ano, para alimentação humana e dos animais. Algumas dessas arcas eram de grandes dimensões, e era necessário verificar com regularidade se os ratos roíam a madeira para comer os grãos, daí ser vulgar as arcas terem chapas de ferro a tapar os buracos. As arcas eram um dos produtos vendidos na feira anual de Campelos.
Arca de madeira, para guardar cereais, onde é visível uma chapa metálica (lado esquerdo, inferior) a tapar buraco aberto pelos ratos. Enfardadeira manual. Museu de Florentino.
O resto da planta do trigo e do milho, a que se chama palha, era guardada para alimentação animal.
A palha era, e é prensada em fardos, inicialmente realizado com enfardadeiras manuais, depois as mecânicas acopladas às debulhadoras fixas, mais recentemente por enfardadeiras acopladas aos tratores, e feito nas próprias terras onde foi semeado o cereal.
No caso dos trigos mais altos também pode ser usado para coberturas a servirem de telhados, em construções tradicionais, como vemos por exemplo em casas típicas na ilha da Madeira, mas também era usada para os colchões das camas humanas, antes de surgirem os materiais sintéticos.
O colchão da direita é feito com palha de trigo, como era mai duro, por vezes colocava-se outro enchido com carpelos de milho, ou usava-se só o de carpelos.
Relativamente à nossa freguesia julgamos poder afirmar que nas lides agrícolas a transição da energia animal, para a mecânica ocorre essencialmente a partir da década de 60 do século XX, e foi uma transição rápida, em 1988 na Freguesia de Campelos havia 67 tratores agrícolas com rodas de borracha, 9 tratores de lagartas. 3 motoenxadas, 161 motocultivadores, 4 motoceifeiras, e 1 ceifeira debulhadora.
Modo máquina debulhadora, e enfardadeira fixa
No avanço tecnológico a meados do século XX surgiram as debulhadoras fixas, em que a força motriz era um trator com uma correia num tambor transmitindo a força motriz por correias, às várias partes da debulhadora, e da enfardadeira.
Na nossa freguesia houve várias destas máquinas, a primeira dizem ter sido a de Augusto Ferreira Lopes (1895-1937), casado com Maria do Patrocínio (1894-1976), ambos de Marteleira, residentes em Campelos, onde tinham uma loja. O Augusto faleceu num acidente de trabalho com a sua máquina debulhadora, quando estava na eira do Machado, na Ribeira de Palheiros. Muitas pessoas ainda se lembram da eira da Patrocínia, um dos locais onde funcionou a máquina debulhadora. A eira localizava-se atrás da escola primária, onde funciona a escola 4G.
Quem teve mais máquinas debulhadoras foi o Adriano Júlio de Oliveira, do Outeiro da Cabeça, com 6 máquinas a trabalhar ao mesmo tempo distribuídas por várias localizações. Algumas destas máquinas foram vendidas por ele para pessoas dos Campelos, e arredores. A partir do início dos anos setenta do século XX.
Debulhadora de Adriano Oliveira, trator de rodas de ferro, ao volante o Mateus. Na outra foto é o próprio Adriano Oliveira a analisar uma avaria no trator.
As máquinas eram instaladas em eiras, já existentes ou “construídas” para o efeito, nos moldes já antes descrito, estavam dias ou semanas num local e partiam para outro, em regra em localidades diferentes, era um serviço sazonal que decorria de junho a finais de agosto, por vezes até outubro, quando iam para o Alentejo, ou para a debulha de arroz.
No Alentejo havia eiras em que a máquina, por ir ficando rodeada de fardos, tinha de mudar 2 vezes de local nessa mesma eira tal era a quantidade de trigo a debulhar, e em regra do mesmo dono.
Debulhadora de Manuel Damas e de Manuel Rodrigues, década de 70 do século XX. Esta máquina ainda não tinha elevador para os molhos de trigo, estes tinham de ser elevados com um forcado de 3 bicos, como se vê na imagem.
As debulhas realizavam-se em locais hoje impensáveis, relato um caso vivido por mim, a debulhadora estava numa eira da Quinta de S. Vicente, em Lisboa, onde hoje é o Bairro de Telheiras, em Lisboa, houve um ano que num determinado dia a máquina parou mais cedo para o pessoal ir ver a chegada da Volta a Portugal em bicicleta, no Estádio José Alvalade, ali bem próximo, eu não fui, mas outros foram, julgo que foi em 1970, volta ganha por Joaquim Agostinho.
Fotos da máquina de Manuel Damas, e a mais recente da de Adriano Andrade.
Cada debulhadora e enfardadeira tinha uma equipa de umas 15 pessoas a trabalhar. Na máquina 7, assim distribuídos: 4 feixeiros (a chegar e elevar os feixes do trigo para a máquina); 2 aumentadores (a inserir os feixes na máquina); 1 saqueiro (a ensacar e atar os sacos de trigo).
Na enfardadeira 6, assim distribuídos: 2 aumentadores a colocar a palha na enfardadeira, 2 a atar arame dos fardos e a acarretá-los, à vez, 1 tabiqueiro, a atar arame, e a dar ordem para a colocação do tabique); 1 o arameiro (preparar e cortar o arame, alguns eram os cozinheiros do grupo).
Havia também o escriturário, ou encarregado, para anotar e receber a maquia ou dinheiro. A organização das equipas podia ter alguma variação da que acima referimos.
A foto é de má qualidade, era de uma máquina de Adriano Júlio de Oliveira, dá para vermos a quantidade de pessoas precisas no seu funcionamento, e controle.
Na debulha de arroz, bem como de outros cereais, como a aveia ou centeio, era necessário fazer as devidas adaptações na máquina, nomeadamente as mudanças dos crivos.
Como mera curiosidade refira-se que na nossa freguesia, cultivou-se arroz, pelo menos no início do século XX, em pequenas quantidades, nos locais em que mais tarde se cultivou o junco.
Atualmente uma máquina debulhadora fixa tem funcionado anualmente na debulha de algum trigo, a do Adriano Andrade, dos Casalinhos das Oliveiras.
Fotos de 2023, da máquina de Adriano Andrade, vista geral, e a cortar o cordão dos molhos de trigo.
Hoje é tudo incomparavelmente mais leve e rápido, chegar ao grão de trigo, com a ceifeira debulhadora.
Ceifeira debulhadora a descarregar o trigo num reboque de trator, e imagem do trigo descarregado
A palha passava, por elevador de lona, da debulhadora para a enfardadeira, chegava a uma plataforma onde um operador com o auxílio de uma forquilha a vai colocando na enfardadeira, e às ordens de outra pessoa que está a atar os fardos com arame, coloca o tabique, peça de madeira que separa os fardos e tem os rasgos para enfiar os arames dos fardos.
Enfardadeira de Adriano Andrade, pormenor de óculos antigamente usados por operador, e tabique.
A enfiar arame no tabique, em 2023, enfardadeira de Adriano Andrade, e Manuel Damas e outro a acarretar fardos.
Atualmente as enfardadeiras vão aos campos recolher e enfardar a palha que a ceifeira debulhadora deixa no solo, os fardos são de muito maior dimensão, porque são carregados por máquinas, e podem ser retangulares, ou redondos, estes por vezes são revestidos a plástico, e deixados no campo, que visto de longe parecem ovos.
Do milho
No caso do milho nas eiras fazia-se a descamisa, que consiste em tirar folhas das maçarocas, que ficavam depois alguns dias na eira a secar.
A desfolhada e a debulha eram efetuadas em serões entre música, cantigas e anedotas pelo agosto todo. Ajudavam-se uns aos outros, pagavam com trabalho, o trabalho. Depois de o milho secar durante alguns dias os homens tinham que bater com o mangual.
As folhas da maçaroca de milho, por nós chamadas “carpelos”, ou carapelos que por vezes eram usadas para serem colocadas nas camas de pano, bons colchões de então. Sabemos que em setembro de 1965, foi feito um apelo na igreja para as pessoas darem estas “folhas” das maçarocas para encher colchões do hospital de Torres Vedras.
Cesto de vime, maçarocas de milho, milho debulhado e carolos da maçaroca.
A debulha do milho, na fase manual era em tudo idêntico ao que descrevemos para a debulha do trigo, com mangual, e crivagem, assim como o seu armazenamento em arcas.
Seguiu-se a fase da debulha com máquinas manuais, e mais tarde as máquinas acopladas aos tratores, e finalmente a ceifeira debulhadora.
Máquinas manuais de debulhar o milho, museu de Florentino.
Debulhadora de Nuno Silva, acoplada a trator, em 2023, mas a máquina já tem mais de 40 anos.
A moagem dos Cereais:
O modo mais antigo de moer os cereais era com mós manuais, que existiam em algumas habitações, mas era muito moroso obter a quantidade de farinha necessária para uma família.
m
Mós manuais, do museu do Florentino Lopes
Cedo o homem usou outras energias e engenhos para as moagens, Maria Natália Silva, cita Ana Rodrigues, referindo que “Na região de Torres Vedras a existência de moinhos e azenhas é documentada desde a segunda metade do século XIII”.
As azenhas de A dos Cunhados, “remontam às últimas décadas do século XV”, e nelas, durante muitos anos terão sido moídos cereais dos habitantes da área geográfica da freguesia de Campelos.
Este facto é comprovado pelas relações “familiares” que se verificam, em vários registos de baptismos, na Paróquia de S. Lourenço dos Francos, desde 1595, em que há padrinhos naturais daquela localidade que tinha azenhas.
A título de exemplo encontramos assento de 1704 que tem como padrinho, de Tomazia, filha de Estevam Francisco, e de Francisca Henriques, de Cabeça Gorda, Tomaz Delgado, da Azenha de Cima, da freguesia de Nossa Senhora da Luz do lugar de A dos Cunhados.
Os moinhos na nossa área
Ao realizar um breve estudo nos documentos da “Décima de 1764”, verificamos que na área da nossa freguesia havia pelo menos 1 moinho de vento, em Campelos. Supomos que deve ser o mesmo moinho, que é referido no “Registo das Licenças para venda e estabelecimentos concedidos pela Câmara Municipal de Torres Vedras”, de 1883, e que julgamos poder ser o de José Pedro (1845-1916), avô do último proprietário, e do qual restam as ruínas desse moinho na Rua dos Moinhos, em Campelos.
Qual o máximo de moinhos que ao mesmo tempo estavam operacionais não se consegue saber, nem pelo encontramos escrito, nem pela informação que recolhemos. Segundo o esboço da monografia de Campelos, a meados século XX seriam seis moinhos, em Campelos, um em Casais do Rijo, e outro em Casais das Campainhas. 4 de velas de pano (2 na Rua dos Moinhos, 1 atrás do café Paris, e outro no Outeiro da Ermida), e 4 de velas de ferro (Joaquim Tomaz, em Campelos, João Henriques, Outeiro da Ermida, Rui Baptista, em Casais do Rijo, e o de Francisco Portela, também em Casais do Rijo.
Segundo o Pedro José Lopes na Freguesia de Campelos e Casais das Campainhas chegaram a existir 12 ou 13 moinhos.
Algumas pessoas referiram-nos que nas proximidades do local onde hoje está a Igreja de S. António, em Campelos, terá havido 1 ou 2 moinhos, mas pessoas hoje com 80 anos dizem só ter ouvido dizer.
Neste ano de 2023 ainda há na memória de várias pessoas os seguintes moinhos: 4 moinhos em Campelos, 2 na R. dos moinhos, 1 do Joaquim Tomás, e 1 do José moleiro; 2 em Casais do Rijo, os do Rui Baptista e outro do Xico Moleiro (Francisco Portela); 2 no Outeiro da Ermida, um do Joaquim Tomás, e outro do João Henriques (maneta).
Como ao abordar os moinhos de Campelos temos logo um no concelho da Lourinhã, optámos por escrever sobre os moinhos situados nas localidades da Freguesia de Campelos, que são divididas pelos concelhos de Torres Vedras, e da Lourinhã, e também o de Outeiro da Cabeça, uma vez que pertencemos à mesma União de Freguesias.
Os últimos moinhos em Campelos, e arredores, foram os do Rui Baptista, do Francisco Portela, em Casais do Rijos/Campainhas, o de João Henriques, no Outeiro da Ermida, e o de Joaquim Filipe Tomás, em Campelos, todos moinhos ferro, movidos a vento, mas por vezes auxiliados com motores elétricos.
Durante alguns anos da década de 80 do século XX só havia ruínas de moinhos, mas desde 1989 voltou a haver moinho em Campelos, construído de raiz, esteve alguns anos inoperacional, mas desde maio deste ano que está funcional, após reparação das velas e do engenho, é o moinho que era de Pedro José Lopes, que se situa na Rua dos Moinhos, e no seu engenho tem equipamentos vindos de moinhos mais antigos, nomeadamente da Ereira, Maxial. Está sob gestão da Junta de Freguesia de Campelos e Outeiro da Cabeça.
Fotos antiga e atual do moinho de vento de Campelos, que era de Pedro José Lopes
Moinho de Pedro José Lopes, Campelos
O moinho foi inaugurado a 30 de julho de 1989, e contou com a presença do Presidente da Câmara, José Augusto de Carvalho, do Vereador José Damas Antunes, e do secretário da Junta de Freguesia, Luís Ramos, e comunicação social, inclusive televisão.
A construção do moinho teve o apoio da Junta, e da Câmara, e como mestre da obra o José da Conceição Aniceto, de Vila Seca.
É constituído por 3 pisos. No 2º andar existe mó para fabrico de farinha de trigo, no 1º piso uma mó para moer milho, e no piso inferior, ou loja é onde se coloca a farinha pronta para entrega ao cliente, algum cereal e existe uma tarara para limpeza das impurezas, antes de colocar o cereal a moer.
Pedro José Lopes era filho do moleiro Domingos Tavares Lopes, e tinha um gosto muito especial pela profissão, ou pela “arte”, palavra usual e recorrente entre moleiros.
Aos 7 anos de idade começou a ajudar o pai, contava ele, muito orgulhoso dos tempos vividos na sua infância, adorava ir de noite para o moinho com o pai, pois quando não havia vento, todos os momentos eram aproveitados até mesmo durante a noite. Durante o dia ia para a escola.
Já Homem, depois da morte do seu pai (1956), seguiu a profissão de moleiro, durante alguns anos, mas como era uma atividade pouco remunerada, teve de o vender. Constituiu família e dedicou-se a outra profissão para sustento da família.
Durante alguns anos foi operário fabril, reformando-se bastante novo devido a acidente que lhe reduziu a percentagem de visão, e foi nessa altura que surgiu novamente vontade de ser moleiro, construindo o moinho de vento para ocupar o seu tempo livre.
No início não havia nenhum dia de vento em que o seu moinho não funcionasse. Aos poucos foi angariando clientes, sendo procurado para moer o trigo e o milho dos agricultores das redondezas.
Era usual nesta atividade a troca de cereal por farinha, pagando o trabalho da moenda com a maquia. A maquia era uma quantidade “excedente” como forma de pagamento em espécie, dos 11 a 11,5 kg de trigo que um alqueire levava, 1,5 kg ficava para o serviço do moleiro, era dessa forma que realizava dinheiro, vendendo a farinha a quem não cultivava o cereal.
Foto do museu de Florentino Lopes
Quando a quantidade de trigo era maior o seu transporte era em carroças, em alforges, ou só em cima do burro, mas muitas das vezes era pela própria pessoa, e em regra uma vez por semana, a mesma periocidade com que se cozia o pão, que se comia durante essa semana.
Moinho de Joaquim Tomás, Campelos
Dos acima referidos, o maior moinho de vento que existiu deve ter sido o de Joaquim Filipe Tomás, era um de armação metálica, conhecido por moinho de ferro, chegou a moer com 4 mós, 2 delas ainda hoje estão nas ruínas do moinho.
Foto do moinho, cedida por Armando Tomás
Foto das atuais ruinas do moinho, com o eixo a sair do telhado, mós ainda lá existentes.
Segundo o filho Armando Tomás, este moinho de ferro foi adquirido em 2 mão, nas Caldas da Rainha e montado neste local, na atual Rua Joaquim Filipe Tomás, de Campelos, não se sabe o ano exato, mas terá sido em finais da década de 20, inícios da década de 30 do século XX, pois a filha mais velha do Joaquim Tomás já nasceu em Campelos, em 1932.
Joaquim Tomás, nasceu em 1904 na Marteleira, era o filho mais novo da família, o avô materno (Tomaz Francisco), e dois dos seus irmãos (José e António), também eram moleiros. Um irmão do bisavô materno (Manuel Ignacio), era engenheiro de moinhos (provavelmente fazia e reparava os engenhos dos moinhos), segundo um escrito de 1836, na entrega de um Exposto, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Joaquim Tomás veio em adulto para Campelos, onde se instalou como moleiro. Foi presidente da Junta de Freguesia de Campelos entre 1960 e 1971, e já tinha sido tesoureiro entre 1951 e 1954.
Moinho de João Pedro, Campelos
Foto do atual estado do moinho, que talvez tenha sido o mais antigo de Campelos.
O que resta dos antigos moinhos no ponto mais alto de Campelos, ao cimo da Rua dos Moinhos, é hoje propriedade de Olímpia Pedro, por herança, de seu pai João Manuel Pedro, moleiro e proprietário do moinho.
João Manuel Pedro, nasceu em Campelos em 1933, casou com Ilda da Piedade, do Casal dos Carvalhos/Campainhas, em 1952.
Dizem-nos que tinha um irmão que também era moleiro. Comprovadamente sabemos que o seu bisavô paterno, Joaquim Pedro (1812-1873), era moleiro, natural e residente em Campelos, casou no Ramalhal, com Maia Rosa (1822-1899), tiveram 11 filhos, um deles o José Pedro (1845-1916), também ele moleiro, que casou com Maria Joaquina (1850-1931), foram pais de 10 filhos, um deles o Pedro José Baptista (1888-1954), que casou em segundas núpcias com Cecília dos Prazeres (1897-1962), em 1920, e foram os pais do João Manuel Pedro.
Este moinho tem uma vista panorâmica de grande alcance.
Moinho de José Ferreira (Zé moleiro), Campelos (Miragaia)
Em Campelos houve um outro moinho, ainda na memória de muitos, na parte do concelho da Lourinhã, que foi demolido para a construção da casa do então moleiro, José Baptista Ferreira, natural de Santana da Carnota, do concelho de Alenquer, que casou com Maria da Conceição Félix, de Campelos, que ainda hoje habita nesse local, mesmo ao lado de 2 antenas de telecomunicações.
O moinho foi comprado a António “gelico”, António Júlio Antunes, do Casal do Azeite, próximo de Ribeira de Palheiros.
A sua localização dá-nos também uma grande vista panorâmica.
Foto da casa do José Moleiro, onde existia o moinho, junto às antenas de comunicações.
Moinho de Rui Baptista (má tempo), Casais do Rijo
O último moleiro foi Rui Manuel Baptista (1941-2007), era filho do moleiro Joaquim Baptista que no mesmo local teve um moinho de pano, antes do de ferro. É neto do moleiro António Baptista (1883-1956), que teve um moinho de pano, com estrutura toda em madeira, que se localizava nos Casais dos Carvalhos/Campainhas, (relativamente próximo da casa que foi do António Miguel). Um meio-irmão do António Baptista (filho da mesma mãe) o Manuel Rodrigues (1879-1942), morador no Outeiro da Ermida, casais das Campainhas também era moleiro.
Fotos do moinho, e o estado atual do local onde este se localizava, na Travessa do Moinho de Ferro Casais do Rijo.
Segundo os descendentes, este moinho de ferro foi montado no local do moinho de velas de pano em 1957, e deve ter estado em pé até 1988, tendo sido, na freguesia e arredores, o último a ser desmontado. Terá vindo de outro moinho, desmontado ao que parece nas proximidades de Estorninho, Bombarral.
Moinho do Francisco Portela (Xico moleiro), Casais do Rijo
Foto atual do local do moinho, Rua da Vitória. Casais do Rijo.
No local da foto acima existiu entre 1961 e 1981 um moinho de vento, de ferro, propriedade de Francisco da Silva Portela, natural de Nadrupe, casado com Maria Alice Santos, de Campelos.
O Francisco Portela antes de ter o seu próprio moinho trabalhou nesta profissão por conta de outros, incluindo para o António Júlio Antunes, do Casal do Azeite, cujo moinho já referimos, que se localizava em Campelos, Miragaia, atrás do Café Paris. Teve um de renda no Outeiro da Ermida, Casais Campainhas, que era propriedade de Joaquim Filipe Tomás.
O Moinho ali erigido veio de um moinho que existiu na Marteleira, Lourinhã.
Moinhos na Freguesia, em 2006
Em 2006, no âmbito do processo de revisão do PDM, a Câmara Municipal fez um levantamento dos moinhos, em Campelos já eram os mesmos que existem hoje, ambos na Rua dos Moinhos, um em ruínas, e o que era de Pedo Lopes, acima referido, hoje gerido pela Junta de Freguesia, e recentemente recuperado.
Moinhos no Outeiro da Ermida, Casais das Campainhas (Miragaia):
No Outeiro da Ermida terão havido 4 moinhos de vento, todos moíam cereais, dois de pedra, um de ferro e um de madeira.
Um de Pedra e velas de pano, que foi demolido e no local construído um talefe, era de Manuel Pedro (1885-1953), conhecido por “moleirico”, e que chegou a moer enxofre, quando era escasso o cereal para moer. Este Moinho, segundo Amadeu Henriques (n. 1940), terá sido vendido a um Tomás, da Marteleira, que dele aproveitou partes do moinho, e o seu Alvará, para um novo que construiu na Marteleira.
Houve outra pessoa que nos disse que o enxofre era moído noutro moinho de madeira.
José Pedro (n, 1895), irmão do Manuel Pedro, tinha um moinho de madeira, para cereais, entre os dois moinhos de pedra, o do irmão e o do Joaquim Tomás.
O outro moinho de pedra e velas de pano pertenceu por último a Joaquim Filipe Tomás, proprietário de um de ferro já referido, em Campelos, que terá sido destruído por ruína e por intempérie, os últimos moleiros foram Amadeu Antunes, e seus filhos, e por último a Maria Esperança, e suas filhas, ajudada pelo marido António Anastácio, (naturais de Pragança, Lourinhã) que era ferreiro, na reparação de carroças,. O moinho terá sido comprado a Francisco Jacinto Henriques, moleiro, natural de Marteleira, casado com Ilda da Conceição, dos Casais das Campainhas. Estes moinhos de pedra, foram desaparecendo pela ordem acima referida, entre as décadas de 40 e 60 do século XX.
Estes
Habitação existente onde era moinho de pedra e velas de pano, de Joaquim Tomás.
O terceiro, moinho de ferro, pertencente a João Henriques “maneta”, estando ainda hoje parte da construção nas dimensões do moinho, com algumas das suas peças, mas adaptado para habitação, pela sua filha Isabel Antunes Henriques Pinto.
O moinho de João Henriques (1922-1971) funcionou até ao início da década de 80 do século XX
Desenho do moinho, feito pela filha Isabel, e foto atual do local, onde se mantêm alguns espaços anteriores.
Bandeja, usada no moinho, sarilho (para rodar as velas) e guindaste, ou turco.
Disseram-nos que também houve um moinho de vento, de madeira, no Outeiro do Brejo, nos Casais das Campainhas.
Moinho de João Henriques (Feliz), Cabeça Gorda (Miragaia)
Na Cabeça Gorda, num local com uma excelente visão panorâmica, próximo do local do depósito da água, existiu durante muitos anos, talvez séculos, um moinho de vento, de que hoje restam ruínas
Foto atual das ruínas do moinho.
Primeiro foi um moinho de pedra, com velas de pano e mais tarde moinho de ferro. Em 2023 restam ruínas de ambos os moinhos.
Fotos com partes do moinho de velas de pano, do engenho do de ferro, e mós
O moinho de ferro terá funcionado cerca de 30 anos por volta de 1953 a 1983, era propriedade de João Henriques, natural de Carrasqueira, casado com Rosalina da Conceição, de Cabeça Gorda, viveram nesta localidade, onde foram pais de 7 filhos, entre 1927 e 1947.
O moinho era conhecido por moinho do Feliz, e o João Henriques também era conhecido por João Feliz, apelido que só o irmão Marcelino tinha, e que provinha do seu avô Feliz Henriques, que era natural de Bragança, Lourinhã, filho de Amaro José Henriques de Pragança, e de Maria Martins, da Cabeça Gorda, (descendente de gente do Casal da Amieira) tendo casado em 1847 com Maria da Conceição, viúva, natural de Carrasqueira.
Joaquim Amaro (1829-1901), irmão do Félix Henriques, era moleiro, morava na Cabeça Gorda, provavelmente um dos anteriores donos deste moinho.
O último moleiro do moinho, foi o José Luís Ramos, até ao fim do seu funcionamento, tendo-se estabelecido por conta própria, com uma moagem elétrica que terá funcionado até ao ano de 1988.
Moinho do Francisco Barreto, Outeiro da Cabeça
Era um moinho de ferro, em frente ao depósito de água, propriedade de Francisco Pinheiro de Sousa Barreto, natural de Casal Moinho, Moita dos Ferreiros, casado com Laura de Jesus Luís, segundo seu filho Fernando Pinheiro o moinho funcionou até 1974 ou 75, anteriormente o moinho foi de Gabriel Sebastião, de Delgada, Bombarral.
Fotos com o moinho do Outeiro da Cabeça
O Francisco P. Sousa Barreto, tinha um primo, o Adelino, que também tinha moinho e uma azenha, nas proximidades do Casal Moinho, Moita dos Ferreiros.
Não se sabe se o último proprietário do moinho tinha antepassados diretos como moleiros. Mas sabemos que era um moinho de ferro, e do lado dos Sousa Barreto havia moleiros e ferreiros.
Também se sabe, via Facebook, publicado por Marília Mata, que neste moinho, em 1937, o seu “pai teve um grave acidente porque ele era o moleiro, com vento muito forte rebentou uma das mós, indo tudo para cima do pai, foi um milagre ficar vivo, mas ficou sequelas nas pernas para o resto da vida. E diz que o moinho era então de Adriano Júlio de Oliveira”.
O livro “ A História do Zé do Outeiro”, de autoria de António Vilar da Costa tem duas quadras relativas ao moinho:
O Zé também labutou
num solitário moinho
que não morreu de velhinho….
o progresso é que o matou!
Tinha o ar nobre de avô
feito monge, em seu convento,
num constante movimento,
rezando ao cimo da aldeia,
nostálgica melopeia
ao som do órgão do vento!
O Moinho era no local desta habitação
Em relação aos à atividade dos moinhos, havia um ditado popular que dizia:
“Muda-se de moleiro, não se muda de ladrão”
No Cadaval, há o Núcleo Museológico do Moinho das Castanholas, onde é possível visitar um Moinho de armação metálica idêntico aos que pro aqui existiram.
Épocas mais recentes
Os últimos a moer foram como já referimos, os moinhos de ferro, a maioria destes já tinham motores ligados à moagem, para moer os cereais em dias em que não havia vento, e assim manterem o fornecimento de farinha aos seus fregueses.
O Pedro José Lopes, reiniciou a moagem com o seu novo moinho de vento, em 1989, e alguns anos depois também montou, junto à sua habitação uma moagem elétrica, mas com as técnicas de moagem que usava no moinho, com mós de pedra, que eram picadas manualmente.
Depois da sua morte, a sua filha Célia Lopes deu continuidade a esta moagem, criou a empresa Trimilho e especializou-se com farinhas de trigo antigos, nomeadamente o barbela, e nas farinhas de milho. Esta moagem funcionou neste local até 2022. Esta empresa foi integrada noutra empresa, que se mantém a laborar na Freguesia, no Outeiro da Cabeça.
Moagem elétrica da Trimilho
Como chegar ao chouriço e aos torresmos
Matava-se um porco por ano e a melhor carne era aproveitada para fazer chouriços que duravam o ano inteiro.
Outra maneira de conservar a carne de porco era cozendo-a com vinho, sal, louro e alho. Derretia-se a banha e deitava-se por cima da carne que assim se conservava dentro de potes em louça.
Quando era para ser utilizada a carne cortava-se em lascas finas e era comida dentro do pão. A carne assim conservada era na altura um privilégio que só alguns tinham acesso.
Também, se conservava a carne só com sal em salgadores de pedra ou madeira, onde se punha uma camada de sal e outra de carne, eram os frigoríficos da época.
Pote, salgadeira de pedra, ainda com sal dentro, com tampa em madeira, e pormenor da tampa. Museu do Florentino
Havia um “ritual”, para a matança do porco, tudo tinha de ser preparado atempadamente, combinava-se o dia com o matador do animal, acertava-se com os vizinhos e amigos a hora, ia-se apanhar a carqueja, o animal jejuava desde a véspera, preparavam-se os alguidares e os panos.
As crianças ficavam ansiosas, além do espetáculo que iam presenciar, havia depois a bexiga, que cheia de ar, soprado por uma pequena cana, jogava-se à bola com ela, sempre era melhor do que com as bolas de pano, isto enquanto a bexiga não enrijava, ou rebentava, o que não demorava muito tempo a acontecer.
A primeira dificuldade era agarrar o animal e deitá-lo em cima da banca, depois lavar o cachaço, espetar a faca até ao coração e aparar o sangue para o alguidar, podendo ser uma parte contendo vinagre, que tinha alguém a mexer o sangue para este não coalhar, era preciso para fazer os chouriços de sangue, sendo mais usual na nossa região, aproveitar o sangue para cozer logo a seguir, e de seguida comer e deixar outra parte cozida para o sarrabulho.
Segurar o animal em cima da banca não era tarefa fácil com o espernear do animal, e a sua gritaria.
Pessoas a segurarem o porco, anos desconhecidos, fotos cedidas por Jorge Ventura e Isália Domingos.
A fase seguinte era chamuscar o porco, para isso havia ali próximo uma fogueira, um monte de carqueja e outros matos, uma forquilha e panos, pedras e telhas de canudo para esfregar. Havia uma fogueira acesa, e de um monte ao lado retiravam a carqueja, acendiam e chegavam à pele do animal para queimar os pêlos, outra pessoa esfregava enquanto quente, assim se fazia para toda a pele do porco.
Depois havia que lavar, para melhor limpar e a pele ficar mais clara. As orelhas eram uma das partes mais difíceis de limpar.
O chamuscar, à moda antiga, com mato, foto cedida por Jorge Ventura, e com maçarico.
Fotos de 2023, com os processos atuais de limpeza e lavagem da pele do porco.
A seguir era abrir o animal para retirar as tripas e restantes órgãos, começa pela boca, a separar a língua, de modo a retirar todo o aparelho respiratório, por inteiro, segue-se o ânus, e órgãos sexuais, sobretudo se for masculino, mesmo que tenha sido capado em jovem, prática que era muito usada.
Fotos a esventrar o porco, uma mais antiga, cedida por Jorge Ventura, e a outra é deste ano, em que o matador e técnico de abrir o porco foi Carlos Antunes.
No fim de se retirarem todos os órgãos, limpava-se alguma gordura nas abas da barriga, abriam-se uns cortes junto aos tendões das patas traseiras, colocava-se o chameril, de madeira arqueada (atualmente é de ferro) nestes buracos, e com uma corda pendurava-se o animal numa das traves do telhado da casa, assim ficando até ao outro dia de manhã, com umas canas atravessadas, de modo a manter o animal aberto, enrolado num pano branco, só então era desmanchado.
A foto a cores é recente, já com o porco quase completamente cortado ao meio. A outra foto é de 2016, exemplificando o enchimento dos bofes, ou pulmões do animal para ver se estavam bons.
Entretanto já alguém tinha cozido sangue e assadas umas febras, e os miúdos já tinham jogado a bola com a bexiga.
Desmanchava-se o porco na manhã seguinte, bem cedo, separando alguns bocados para amigos mais chegados, e por vezes um bom naco de carne para a igreja.
As carnes eram guardadas nos potes com banha, ou na salgadeira, muitas destas divididas com uma área para as carnes e outra para o toucinho e os ossos, que iam sendo consumidos ao longos dos meses seguintes.
Os porcos em regra tinham muito toucinho, e este era muitas vezes consumido cru, como saía da salmoura, cortado fino, com uma fatia de pão.
Hoje já se matam poucos porcos em casa, e os métodos são diferentes, sendo mais usual matar o animal com um tiro, segue-se o aproveitamento do sangue, o chamuscar é com maçarico a gás e o esfregar e limpar com utensílios mais atuais, quanto ao abrir é idêntico, sendo que agora recorre-se ao serrote elétrico para serrar a coluna e dividir o animal ao meio, e dantes era com serrote manual.
No próprio dia da matança havia que lavar as tripas, junto a um ribeiro ou a um poço, de modo a ter água disponível, para as várias lavagens. As tripas eram depois deixadas durante alguns dias em alguidares temperadas com vinho branco, sal, e cebola, até que as carnes, cortadas em pedaços pequenos colocadas noutros alguidares, e temperadas com vinho branco, colorau, alho, louro, sal estivessem capazes de encher as tripas e fazer os chouriços, que podiam ser de carne, ou de sangue, se a estas se juntasse sangue do animal.
No dia de fazer os chouriços mais algumas pessoas, amigos, ou vizinhos, juntavam-se para encher as tripas com as carnes, usava-se um funil para ir enfiando as carnes na tripa, quando cheia no tamanho pretendido atava-se, deixando o chouriço em arco, picando-os com um alfinete, colocando-os num pau e no fumeiro onde iam sendo fumados com o fumo proveniente do fogo da fornalha, onde se cozinhava a comida da família.
A confecção dos torresmos eram no próprio dia da matança, ou no dia a seguir, e resultam do processo de colocar ao lume num tacho fundo o pedaços de toucinho, com ou sem a pele, a gordura, e todas as partes do animal que tinham mais gordura, assim se formando a banha em estado líquido, enquanto quente, e restavam os torresmos, após a libertação da gordura. Os torresmos eram guardados num pote de barro, envoltos em banha, ou só com um pouco de sal, usados para comer com pão, e para fazer as merendeiras, quase sempre com farinha de milho.
Os melhores torresmos são os formados a partir da gordura do “rissol”, a gordura que envolve as tripas.
O Pão
São muitas as voltas e reviravoltas que decorrem desde a semente do cereal lançada à terra, até se transformar em farinha.
O produto da moagem do trigo que vinha dos moinhos tinha de ser peneirado, faz-se com peneiras de várias malhas, obtém-se a farinha, o rolão e as o farelo, este último era para dar aos animais
O pão estava presente em todas as refeições, era a base da alimentação. E se por vezes a refeição era uma sardinha para duas pessoas, era o pão que acabava sempre por encher a barriga.
As pessoas de Campelos coziam pão uma vez por semana, normalmente ao sábado, e durava para a semana toda. Fazia-se mais pão de milho do que de trigo, pois além do milho ser mais barato também alimenta mais.
O pão de trigo era tão raro que era comido frequentemente como conduto a acompanhar batatas e chegavam-se a fazer sandes de pão. As sandes de pão eram duas fatias de pão de milho com uma fatia lá dentro de pão de trigo, às vezes comia-se também pão de centeio, mas isso era mais raro.
Para se fazer pão, peneira-se primeiro a farinha, e depois num alguidar, juntava-se-lhe o fermento, o sal e a água, e amassava-se à mão durante cerca de uma hora.
Fotos de: saco de farinha de pano aproveitado de saca de enxofre; De José Lourenço Ribeiro (eletrecista) Que fazia peneiras em Campelos (foto de 1995); do Sr. José “Minhoto”, que gateava a loiça de barro que rachasse, nesta foto está a gatear um alguidar.
A amassar a farinha, com água e fermento, que fica depois a levedar
Antes de ficar a levedar a mulher fazia por cima da massa o sinal da cruz e dizia a seguinte oração:
Deus te levede
Deus te acrescente,
Para bem de minha casa
E de toda a minha gente
Depois de levedada a massa era cortada, tendida e cozida
Outras pessoas dizem a oração depois do pão estar no forno, fazendo com a pá o sinal da cruz à boca do forno dizem:
Deus te acrescente
Deus te livre de má gente
Deus te ponha a virtude
Que eu da minha parte
Fiz tudo o que pude
E depois mostra-se ao pão no forno o pano onde esteve estendido.
Por vezes faziam-se pães mais pequenos, as chamadas “brindeiras”, que fazia os mais novos ansiar a sua saída do forno, para comerem ainda quentes, mas que também eram para oferecer aos vizinho ou aos amigos.
Enquanto o forno aquece junta-se o chouriço à massa de trigo e formata-se a merendeira.
Pá e ancinho de madeira usados no forno. Museu de Florentino
A colocar as merendeiras na pá, para ir ao forno, e merendeiras no forno, capazes de tirar.
Antigamente, e ainda hoje algumas pessoas assim o fazem, quando se cozia pão uma vez por semana, usava-se a massa mãe, um fermento natural, obtido a partir de um resto de massa da amassadura anterior, que na véspera era misturada com mais farinha, ficando a fermentar para o dia seguinte, o da nova amassadura ser amassada com o resto da farinha, e da qual se voltava a deixar uma pequena porção para a próxima.
O processo de produção das merendeiras com torresmos é em tudo idêntico ao descrito para a de chouriço, mas com farinha de milho, juntando-se os torresmos, em vez do chouriço, e tradicionalmente vai para o forno sobre uma folha de couve, e deste modo fica mais tenra na base.
A merendeira com chouriço na festa anual de Campelos:
Não sabemos ao certo a partir de que ano se terá começado a cozer as merendeiras na festa anual, julgamos que deverá ter sido no mesmo ano em que se deu início à angariação de fundos para compra de terreno, levada a efeito pelo Centro Social Paroquial de S. António de Campelos, em 2000, com a Ti Alice a cozer pão tradicional, para venda aos domingos, num forno instalado atrás da Igreja do Imaculado Coração de Maria.
Ti Alice (Alice de Jesus Lopes), a preparar o tabuleiro para o pão, com o Padre José Paula a observar, ao lado Tigela de tender.
Muitas foram as pessoas que ao longo dos anos ajudaram a cozer as merendeiras na festa, não ficam registos dessas ajudas, e por isso corremos o risco de agora ter fotos de umas e não ter de outras, pelo que pedimos desculpa, mas ficam para a posteridade as que encontrámos, só a partir de 2011.
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
Nesta foto a Manuela Rodrigues vestiu-se a imitar a “ti Alice”, e assim apoiou a melhor perna masculina
Em 2020 devido à Pandemia “Covid 19”, só se realizou o Círio ao Sr. Jesus do Carvalhal, e com muitas precauções, no entanto foi oferecido no dia 5 de outubro, no final da festa da Igreja um caldo verde e merendeira com chouriço, oferta do Juiz da festa, José Damas.
2021
2022
Para oferecer ao artista Augusto Canário cozeram uma merendeira de meio metro
Fontes:
Falámos e recolhemos informação com as seguintes pessoas; Florentino Manuel Lopes, Anabela Baptista, Isabel Henriques Pinto, Armando Filipe Tomás, Olimpia Pedro, António Portela, Fernando Pinheiro, Zé Luís e Lino Oliveira (Outeiro da Cabeça), José Luís Ramos (Cabeça Gorda), Mário Lúcio, Isália Domingos, Jorge Ventura, Vítor Leonardo, Hélio Casimiro, Nuno Silva, Adriano Andrade, Anabela, e Jorge Damas Antunes, Maria Conceição Félix, Célia Lopes, Carlos Antunes, José Manuel da Conceição, Jesuína Hermínia Rodrigues, Amadeu Henriques.
A Mariana Rodrigues fotografou no Museu do Florentino
Facebook: Festa em Campelos, Amigos do Outeiro da Cabeça.
Jornal Badaladas, de 11/8/89, Moinho atual de Campelos, Pedro José Lopes
Bibliografia:
Antunes, José Damas (2021). 1991 - 2021, 30 Anos de apoio à família. Campelos: Centro Social Paroquial S. António de Campelos.
Costa, António Vilar (1989). A História do Zé do Outeiro, Outeiro da Cabeça 1985. Outeiro da Cabeça: Junta de Freguesia de Outeiro da Cabeça.
Dias, Jorge (1948). Os Arados Portugueses e as suas prováveis origens. Coimbra: IAC, in Etnográfica Press, 1995.
Luís, Natalina, Jorge, Marta, & Ferreira, Sandra (s.d.). Esboço de Monografia de Campelos.
Oliveira, Ernesto Veiga, Galhano, Fernando, & Pereira, Benjamim. (1995, edição online de 2020). Alfaia Agrícola Portuguesa. Etnográfica Press, 1995: Etnográfica Press, 1995. Consultada em agosto de 2023.
Pinto, Isabel Antunes Henriques (2022). Gente da Minha Terra e Memórias Familiares. Casais das Campainhas: Livro editado pela própria escritora, em fotocópias.
Rodrigues, Cecília Travanca. Mira, Graça Andrade. Leitão, Jorge Ralha. Rodrigues, José Travanca. Pacheco, Maria Guilhermina. Catarino, Maria Manuela. Matos, Venerando António. et al. (1996). Torres Vedras, passado e presente. Torres Vedras: Câmara Municipal. V. I: pp 128-130, 240-242, 250-252.257, 26-267. V II: p.26
Silva, Maria Natália (2012). Azenha de A dos Cunhados, 5 Séculos de História. Torres Vedras: Câmara Municipal de Torres Vedras.
Torres Vedras em Números, 2006, Câmara Municipal de Torres Vedras, pp. 142-152.