Texto Publicado no Jornal Badaladas:
O Juiz Gaspar Campello, as
suas ligações ao Oeste e, a reposição como Patrono da Escola de Campelos.
Os anciãos da localidade de Campelos ouviram os seus
antepassados dizerem que Campelos foi fundado por Gaspar Campelo e, esta
memória colectiva chegou-nos até ao presente.
Pesquisando estas pistas sabemos hoje como factos históricos
confirmados que Gaspar Campello deve ter
nascido em Braga e que se formou como Bacharel em Leis pela Universidade de
Salamanca, em 27/5/1536[1].
Em «31 de Janeiro de
1573 servia em Torres Vedras, como juiz de Fora».[2](Juiz de Fora é o equivalente a Presidente de
Câmara), em 1577 era Juiz de Fora de Leiria[3].
Em 1578 é Juiz do Crime de
Lisboa e nessa qualidade participa activamente nas cerimónias fúnebres do Rei
D. Sebastião, em 27/8/1578[4],
levando, e partindo, um escudo negro, como descreve Miguel de Moura:
«(…)forão athe ao meio da Rua Nova, aonde logo
alevantou outro o Licenciado Gaspar Campello, Juiz do Crime, que levou athe ao Rocio,
nas escadas do Hospital, aonde o quebrou com as mesmas palavras e cerimónias
dos outros (…) chorai, senhores, chorai, cidadãos, chorai, chorai, povo, a
morte do vosso Rei D. Sebastião (…)»
Nos
anos de 1582 e 1583 encontramo-lo em Lisboa, nos registos de baptismo de Santa
Justa como padrinho, e como Juiz[5].
Em
1588 continuava a ser Juiz do Crime, há uma consulta, em 22 de Fevereiro desse
ano “sobre as pessoas que se nomeão para
tomarem residência aos dous Corregedores do Crime desta cidade e ao Juiz do
Crime o Licenciado Gaspar Campello”[6]
A memória colectiva local diz-nos que o Campello era um
fugitivo, tinha roubado o cunho com que o rei fazia as moedas, há uma
associação negativa ao homem.
Com as pesquisas entretanto recolhidas, parece-nos que
haverá alguma verdade no rasto da memória, e possivelmente o Gaspar Campello
era mesmo um fugitivo, não por ter roubado, mas sim por se ter envolvido com D.
António Prior do Crato, na sua última tentativa de chegar a Rei.
D. António, com o apoio da Rainha de Inglaterra, Isabel I,
vem na armada Inglesa, partindo de Plymouth em 18 de Abril de 1589, desembarcando
em Peniche a 23 de Maio, seguindo com destino a Lisboa, Francisco Caeiro escreveu:
«(…) os invasores caminharam pela Lourinhã em direcção a Torres
Vedras, onde já estavam a 29 de Maio, e seguiram depois por Loures a Alvalade
(Campo Grande). A maior parte da população fugira; ficaram quase só os que não
tinham que perder, sendo estes afinal, os que pelo caminho iam recebendo D.
António com maior curiosidade e simpatia, mas ao que parece, sem entusiasmo.
Alguns como o juiz Gaspar Campelo, obrigado ao desempenho das funções de
almotacé-mor, parece que o fizeram por coacção (...)» [7]
No mesmo sentido, dum envolvimento “forçado”, ou de pouco
entusiasmo, poder-se-á depreender da leitura
de livro de Veríssimo Serrão, que refere uma fonte manuscrita, onde verifica haver engano, de alguns autores,
numa confusão entre “Gaspares” em privilégios atribuídos por D. António, numa
nota de rodapé, ele corrige esse erro, escrevendo que: « (…)Gaspar Camelo de
Melo, vem citado como “Gaspar Campello” no “rol dos amigos” (…) »,[8]
ficamos assim a saber que o Gaspar Campelo estava fora da esfera das pessoas mais próximas de D.
António.
Na nossa opinião há uma adesão e empenhamento do Gaspar
Campello no apoio a D. António, pode não ter sido logo após a morte de D.
Sebastião, mas nesta última tentativa de 1589, julgamos que esteve em pleno e
de coração, são vários os documentos que o indiciam, onde destacamos um escrito
da época, de André Falcão de Resende, que também foi Juiz de Fora de Torres
Vedras, entre 1577 e 1579, ele terá sido um apoiante de livre vontade , «(…)
tomando muitas cargas que lhes mandava Gaspar Campello negociara com D. António
a entrega de mantimentos às tropas luso-inglesas, como tinha sido Juiz em
Torres Vedras e era muito conhecido nesta comarca, forçava a gente fraca, com
nome de almotacel moor para trazerem mantimentos aos ingleses (…) ».[9]
O mesmo nos sugere um outro documento transcrito por Paulo
Drumond Braga, ao estudar o crime, castigo e perdão em Torres Vedras, no
Reinado de D. Filipe II, encontrou “alguns torrienses acusados de terem apoiado
D. António, Prior do Crato”, e alguns perdões, e num deles com referência a
Gaspar Campello:
« (…)Em 1590, foram perdoados Paulo de Faria, pelo crime de
“ yr a dom antonio que foi prior do Crato quando veyo com os Ingrezes a este
Reino e acompanhar gaspar campello que ho seruja”, bem como Manuel Pires, da
Ribaldeira, de “culpa que teue na ocasião pasada dos Ingrezes e dom antonio”. [10]
Derrotadas as tropas inglesas, e a partida de D. António, o
rei D. Filipe I compensa os seus fiéis, como foi o caso do alcaide D. Martinho,
a quem agraciou como Conde de Torres Vedras, e, castiga os apoiantes de D.
António, veja-se “no dizer colorido de um
dos mais ricos cronistas dos acontecimentos, Pero Rodrigues Soares,
«desde Peniche ate ca Como en cascais e no termo de lixª, e
nesta cidade prendendo a destro e a sinestro en todos naõ se Reuoluendo mto
Tempo menistros portugueses senaõ en fazer Iustª nos tais mandando enforcar
asoutar degradar tomar fazendas» [11]
É neste quadro de perseguição aos apoiantes de D. António
que deve ter levado o Gaspar Campello a fazer alterações na sua vida, julgamos
que a partir desta data se refugiou na sua quinta no termo de Torres, dado que
a partir de 1589 não o voltaremos a encontrar nos registos das paróquias de
Lisboa, e em contraponto surge com maior frequência (5 vezes), nos registos de
S. Lourenço dos Francos; a última das quais em 1606 e uma vez na Vila de Torres
Vedras (1603).
A ligação do Juiz Gaspar Campello a Campelos
O primeiro e principal documento que liga o Gaspar Campello
à hipótese de ter fundado Campelos, está no A.N.T.T, Colegiada de Santa Maria.
Este documento já é uma transcrição do início do Séc. XIX, de um documento
original datado de Julho de 1587.
Pela sua importância na transição da memória para a
história, transcreve-se parte do documento, deixando a grafia de então
«17 de
Julho de 1587 = Nº = 54 = Diz que em
Lisboa, nas cazas do Dr. Gaspar Campello (…) foi ditto
ser verdade que tem huma Quinta no Termo
desta Villa aonde Xamão o Vale de Sacarias, em que elles tem huma Ermida, com
invocação de Nossa Senhora da Paz, que eles fizerão e agora pedem ao Sr. Arcebispo lhe desse licensa para nella se dizer a Missa. Sendo despaxado que obrigasem huma
Propriedade que rendeu 3000 reis cada anno para a fábrica della; (…). Nas
costas diz que hoje está derribada e que he Nossa Senhora da Paz; e em huma
Nota dentro diz que esta Quinta se xama hoje do Campello =»”[12]
Esta família Campello viveu nesta sua quinta, pois como já
referimos há vários registos nos livros da paróquia de S. Lourenço dos Francos,
concelho de Lourinhã, igreja a cerca de 3 km de Campelos, que durante alguns
séculos foi o templo de culto para os habitantes de Campelos e lugares próximos.
O Gaspar Campello foi nesta igreja padrinho de baptismos e
casamentos em 21 de Março de 1589, 16 de Janeiro de 1603, 9 de Outubro de 1605
e, 12 de Novembro de 1606.[13]
A esposa Vicência da Cunha foi nesta igreja madrinha em 1585,
1598, e duas vezes em 1601.
A 20 de Novembro de 1610 é sepultado na Igreja de S.
Lourenço dos Francos Gaspar da Cunha neto de Gaspar Campello.
A
reposição como patrono
Gaspar
Campello já foi o patrono da escola básica 2-3 de Campelos, por proposta do
saudoso professor Tomé Borges, mais tarde por força legal não foi possível
manter o nome, pois a denominação
do agrupamento de escolas e a denominação da respectiva escola sede não podiam coincidir, pelo que
alteraram a denominação da Escola Básica Gaspar Campello
para Escola Básica de Campelos.
Estão ultrapassados os
obstáculos legais que levaram à alteração do nome, uma vez que este Agrupamento
foi integrado noutro. Esta escola de Campelos está actualmente em situação idêntica
à da Escola Padre Francisco Soares, ambas fazem parte de um Agrupamento de
Escolas, respectivamente “Padre Vítor Melícias” e, “Madeira Torres”.
Com base nisso em reunião
pública da Câmara realizada em Campelos em 28/6/2016 apresentei uma proposta para
que a Câmara solicitasse superiormente a reposição do patrono à escola. O
Presidente de Câmara disse “nada ter a opor sendo seu entendimento que a
designação deverá ser atribuída a todo o complexo educativo e, nesse sentido,
incumbiu a Sra. Vice-Presidente Laura Rodrigues de apresentar proposta e
desenvolver o processo tendente, para que possa ser restabelecido o nome Gaspar
Campello à Escola e a todo o complexo Educativo, tendo em conta que se pretende
evocar o nome de uma pessoa que teve um papel importante na comunidade”.
A 21/5/2018 questionei por
email a Srª Vereadora da Educação sobre o ponto de situação deste assunto, que
assim respondeu no dia seguinte: “Encarrega-me a
Sra. Vereadora Laura Rodrigues de, em seu nome, agradecer a lembrança deste assunto e
informar que irá fazer o ponto de situação com a DGESTE, dando-lhe nota
posteriormente”. Não recebi mais informação, apesar de ter voltado a contactar.
Há 3 anos publiquei no jornal Badaladas um
texto sobre a reposição do patrono “Gaspar Campelo” à escola básica 2-3 de
Campelos, não o desejava, mas sinto-me obrigado a voltar a este assunto pela
mesma via. Para a maioria da população de Campelos a escola é conhecida como
escola Gaspar Campello e, é de elementar justiça um reconhecimento a Gaspar Campello,
pelos serviços públicos prestados, pela fundação de Campelos, e para que se
perpetue na memória e conhecimento dos actuais e futuros habitantes da região.
Apelo à Câmara Municipal e à Direcção do Agrupamento
de Escolas Padre Vítor Melícias para que junto das entidades competentes proponham
e lutem pela reposição deste patrono à escola.
[1] SERRÂO,
Joaquim Veríssimo, Portugueses no Estudo de Salamanca (1250-1550). Lisboa,
1962, p. 315
[3] REPOLHO,
Jorge Manuel, Convento de Santo Agostinho de Leiria, Contributos para a
Recuperação e Valorização dos Espaços Regulares Subsistentes, Tese de Mestrado,
Universidade de Évora, 2011, p. 27.
[4] (MOURA,
1840) Chronica do Cardeal Rei D. Henrique e a vida de Miguel de Moura, pp. 16,
19-21, 168.
[5] A.N.T.T. Registos Paroquias, baptismo 1,
Lisboa, Santa Justa
[6] REGO, A. da Silva (1866) Manuscritos da Ajuda
(guia), p.97
[7] CAEIRO, Francisco (1961) O Arcebispo Alberto de
Áustria, p. 178
[8] SERRÃO, Joaquim Verissimo (1956) O Reinado D.
António Prior do Crato, Volume I, p. 326, nota (16)
[9] A.N.T.T. Manuscritos da Livraria, cota 1147
[11] DRUMOND BRAGA, Paulo (2009) Torres Vedras no
Reinado de Filipe II p. 48
[13] A.N.T.T. Registos Paroquiais, Mistos 1,
Lourinhã, Miragaia.
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