sexta-feira, 19 de julho de 2019

Gaspar Campello, história e reposição como Patrono da Escola de Campelos


Texto Publicado no Jornal Badaladas:

O Juiz Gaspar Campello, as suas ligações ao Oeste e, a reposição como Patrono da Escola de Campelos.
Os anciãos da localidade de Campelos ouviram os seus antepassados dizerem que Campelos foi fundado por Gaspar Campelo e, esta memória colectiva chegou-nos até ao presente.
Pesquisando estas pistas sabemos hoje como factos históricos confirmados que Gaspar Campello deve ter nascido em Braga e que se formou como Bacharel em Leis pela Universidade de Salamanca, em 27/5/1536[1].
Em «31 de Janeiro de 1573 servia em Torres Vedras, como juiz de Fora».[2](Juiz de Fora é o equivalente a Presidente de Câmara), em 1577 era Juiz de Fora de Leiria[3].
Em 1578 é Juiz do Crime de Lisboa e nessa qualidade participa activamente nas cerimónias fúnebres do Rei D. Sebastião, em 27/8/1578[4], levando, e partindo, um escudo negro, como descreve Miguel de Moura:
«(…)forão athe ao meio da Rua Nova, aonde logo alevantou outro o Licenciado Gaspar Campello, Juiz do Crime, que levou athe ao Rocio, nas escadas do Hospital, aonde o quebrou com as mesmas palavras e cerimónias dos outros (…) chorai, senhores, chorai, cidadãos, chorai, chorai, povo, a morte do vosso Rei D. Sebastião (…)»
Nos anos de 1582 e 1583 encontramo-lo em Lisboa, nos registos de baptismo de Santa Justa como padrinho, e como Juiz[5].
Em 1588 continuava a ser Juiz do Crime, há uma consulta, em 22 de Fevereiro desse ano “sobre as pessoas que se nomeão para tomarem residência aos dous Corregedores do Crime desta cidade e ao Juiz do Crime o Licenciado Gaspar Campello[6]
A memória colectiva local diz-nos que o Campello era um fugitivo, tinha roubado o cunho com que o rei fazia as moedas, há uma associação negativa ao homem.
Com as pesquisas entretanto recolhidas, parece-nos que haverá alguma verdade no rasto da memória, e possivelmente o Gaspar Campello era mesmo um fugitivo, não por ter roubado, mas sim por se ter envolvido com D. António Prior do Crato, na sua última tentativa de chegar a Rei.
D. António, com o apoio da Rainha de Inglaterra, Isabel I, vem na armada Inglesa, partindo de Plymouth em 18 de Abril de 1589, desembarcando em Peniche a 23 de Maio, seguindo com destino a Lisboa, Francisco Caeiro escreveu:
«(…) os invasores caminharam pela Lourinhã em direcção a Torres Vedras, onde já estavam a 29 de Maio, e seguiram depois por Loures a Alvalade (Campo Grande). A maior parte da população fugira; ficaram quase só os que não tinham que perder, sendo estes afinal, os que pelo caminho iam recebendo D. António com maior curiosidade e simpatia, mas ao que parece, sem entusiasmo. Alguns como o juiz Gaspar Campelo, obrigado ao desempenho das funções de almotacé-mor, parece que o fizeram por coacção (...)» [7]
No mesmo sentido, dum envolvimento “forçado”, ou de pouco entusiasmo, poder-se-á depreender da leitura  de livro de Veríssimo Serrão, que refere uma fonte manuscrita, onde  verifica haver engano, de alguns autores, numa confusão entre “Gaspares” em privilégios atribuídos por D. António, numa nota de rodapé, ele corrige esse erro, escrevendo que: « (…)Gaspar Camelo de Melo, vem citado como “Gaspar Campello” no “rol dos amigos” (…) »,[8] ficamos assim a saber que o Gaspar Campelo estava fora  da esfera das pessoas mais próximas de D. António.
Na nossa opinião há uma adesão e empenhamento do Gaspar Campello no apoio a D. António, pode não ter sido logo após a morte de D. Sebastião, mas nesta última tentativa de 1589, julgamos que esteve em pleno e de coração, são vários os documentos que o indiciam, onde destacamos um escrito da época, de André Falcão de Resende, que também foi Juiz de Fora de Torres Vedras, entre 1577 e 1579, ele terá sido um apoiante de livre vontade , «(…) tomando muitas cargas que lhes mandava Gaspar Campello negociara com D. António a entrega de mantimentos às tropas luso-inglesas, como tinha sido Juiz em Torres Vedras e era muito conhecido nesta comarca, forçava a gente fraca, com nome de almotacel moor para trazerem mantimentos aos ingleses (…) ».[9]
O mesmo nos sugere um outro documento transcrito por Paulo Drumond Braga, ao estudar o crime, castigo e perdão em Torres Vedras, no Reinado de D. Filipe II, encontrou “alguns torrienses acusados de terem apoiado D. António, Prior do Crato”, e alguns perdões, e num deles com referência a Gaspar Campello:
« (…)Em 1590, foram perdoados Paulo de Faria, pelo crime de “ yr a dom antonio que foi prior do Crato quando veyo com os Ingrezes a este Reino e acompanhar gaspar campello que ho seruja”, bem como Manuel Pires, da Ribaldeira, de “culpa que teue na ocasião pasada dos Ingrezes e dom antonio”. [10]
Derrotadas as tropas inglesas, e a partida de D. António, o rei D. Filipe I compensa os seus fiéis, como foi o caso do alcaide D. Martinho, a quem agraciou como Conde de Torres Vedras, e, castiga os apoiantes de D. António, veja-se “no dizer colorido de um dos mais ricos cronistas dos acontecimentos, Pero Rodrigues Soares,
«desde Peniche ate ca Como en cascais e no termo de lixª, e nesta cidade prendendo a destro e a sinestro en todos naõ se Reuoluendo mto Tempo menistros portugueses senaõ en fazer Iustª nos tais mandando enforcar asoutar degradar tomar fazendas» [11]
É neste quadro de perseguição aos apoiantes de D. António que deve ter levado o Gaspar Campello a fazer alterações na sua vida, julgamos que a partir desta data se refugiou na sua quinta no termo de Torres, dado que a partir de 1589 não o voltaremos a encontrar nos registos das paróquias de Lisboa, e em contraponto surge com maior frequência (5 vezes), nos registos de S. Lourenço dos Francos; a última das quais em 1606 e uma vez na Vila de Torres Vedras (1603).
A ligação do Juiz Gaspar Campello a Campelos
O primeiro e principal documento que liga o Gaspar Campello à hipótese de ter fundado Campelos, está no A.N.T.T, Colegiada de Santa Maria. Este documento já é uma transcrição do início do Séc. XIX, de um documento original datado de Julho de 1587.
Pela sua importância na transição da memória para a história, transcreve-se parte do documento, deixando a grafia de então
«17 de Julho de 1587 =  Nº = 54 = Diz que em Lisboa, nas cazas do Dr. Gaspar Campello (…) foi ditto ser verdade que tem huma Quinta  no Termo desta Villa aonde Xamão o Vale de Sacarias, em que elles tem huma Ermida, com invocação de Nossa Senhora da Paz, que eles fizerão  e agora pedem ao Sr. Arcebispo  lhe desse licensa para  nella se dizer  a Missa. Sendo despaxado que obrigasem huma Propriedade que rendeu 3000 reis cada anno para a fábrica della; (…). Nas costas diz que hoje está derribada e que he Nossa Senhora da Paz; e em huma Nota dentro diz que esta Quinta se xama hoje do Campello =»”[12]
Esta família Campello viveu nesta sua quinta, pois como já referimos há vários registos nos livros da paróquia de S. Lourenço dos Francos, concelho de Lourinhã, igreja a cerca de 3 km de Campelos, que durante alguns séculos foi o templo de culto para os habitantes de Campelos e lugares próximos.
O Gaspar Campello foi nesta igreja padrinho de baptismos e casamentos em 21 de Março de 1589, 16 de Janeiro de 1603, 9 de Outubro de 1605 e, 12 de Novembro de 1606.[13]
A esposa Vicência da Cunha foi nesta igreja madrinha em 1585, 1598, e duas vezes em 1601.
A 20 de Novembro de 1610 é sepultado na Igreja de S. Lourenço dos Francos Gaspar da Cunha neto de Gaspar Campello.
A reposição como patrono
Gaspar Campello já foi o patrono da escola básica 2-3 de Campelos, por proposta do saudoso professor Tomé Borges, mais tarde por força legal não foi possível manter o nome, pois a denominação do agrupamento de escolas e a denominação da respectiva escola sede não podiam coincidir, pelo que alteraram a denominação da Escola Básica Gaspar Campello para Escola Básica de Campelos.
Estão ultrapassados os obstáculos legais que levaram à alteração do nome, uma vez que este Agrupamento foi integrado noutro. Esta escola de Campelos está actualmente em situação idêntica à da Escola Padre Francisco Soares, ambas fazem parte de um Agrupamento de Escolas, respectivamente “Padre Vítor Melícias” e, “Madeira Torres”.
Com base nisso em reunião pública da Câmara realizada em Campelos em 28/6/2016 apresentei uma proposta para que a Câmara solicitasse superiormente a reposição do patrono à escola. O Presidente de Câmara disse “nada ter a opor sendo seu entendimento que a designação deverá ser atribuída a todo o complexo educativo e, nesse sentido, incumbiu a Sra. Vice-Presidente Laura Rodrigues de apresentar proposta e desenvolver o processo tendente, para que possa ser restabelecido o nome Gaspar Campello à Escola e a todo o complexo Educativo, tendo em conta que se pretende evocar o nome de uma pessoa que teve um papel importante na comunidade”.
A 21/5/2018 questionei por email a Srª Vereadora da Educação sobre o ponto de situação deste assunto, que assim respondeu no dia seguinte: “Encarrega-me a Sra. Vereadora Laura Rodrigues de, em seu nome, agradecer a lembrança deste assunto e informar que irá fazer o ponto de situação com a DGESTE, dando-lhe nota posteriormente”. Não recebi mais informação, apesar de ter voltado a contactar.
Há 3 anos publiquei no jornal Badaladas um texto sobre a reposição do patrono “Gaspar Campelo” à escola básica 2-3 de Campelos, não o desejava, mas sinto-me obrigado a voltar a este assunto pela mesma via. Para a maioria da população de Campelos a escola é conhecida como escola Gaspar Campello e, é de elementar justiça um reconhecimento a Gaspar Campello, pelos serviços públicos prestados, pela fundação de Campelos, e para que se perpetue na memória e conhecimento dos actuais e futuros habitantes da região.
Apelo à Câmara Municipal e à Direcção do Agrupamento de Escolas Padre Vítor Melícias para que junto das entidades competentes proponham e lutem pela reposição deste patrono à escola.



[1] SERRÂO, Joaquim Veríssimo, Portugueses no Estudo de Salamanca (1250-1550). Lisboa, 1962, p. 315
[2]  MADEIRA TORRES, Manuel Agostinho (1861) p. 215
[3] REPOLHO, Jorge Manuel, Convento de Santo Agostinho de Leiria, Contributos para a Recuperação e Valorização dos Espaços Regulares Subsistentes, Tese de Mestrado, Universidade de Évora, 2011, p. 27.
[4] (MOURA, 1840) Chronica do Cardeal Rei D. Henrique e a vida de Miguel de Moura, pp. 16, 19-21, 168.
[5] A.N.T.T. Registos Paroquias, baptismo 1, Lisboa, Santa Justa
[6] REGO, A. da Silva (1866) Manuscritos da Ajuda (guia), p.97
[7] CAEIRO, Francisco (1961) O Arcebispo Alberto de Áustria, p. 178
[8] SERRÃO, Joaquim Verissimo (1956) O Reinado D. António Prior do Crato, Volume I, p. 326, nota (16)
[9] A.N.T.T. Manuscritos da Livraria, cota 1147
[10]  DRUMOND BRAGA, Paulo (2009) Torres Vedras no Reinado de Filipe II, p. 48
[11] DRUMOND BRAGA, Paulo (2009) Torres Vedras no Reinado de Filipe II p. 48
[12]  A.N.T.T. Colegiada de Santa Maria, Volume 32, maço 23.
[13] A.N.T.T. Registos Paroquiais, Mistos 1, Lourinhã, Miragaia.

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